sexta-feira, 23 de março de 2012

A memória dos Povos não deve ser curta...

A memória dos Povos não deve ser curta...

A ingratidão dos países, tal como a das pessoas, é acompanhada quase sempre
pela falta de memória. Em 1953, a Alemanha de Konrad Adenauer entrou em
default, falência, ficou Kaput, ou seja, ficou sem dinheiro
para fazer mover a actividade económica do país. Tal qual como a Grécia
actualmente.

A Alemanha negociou 16 mil milhões de marcos em dívidas de 1920 que entraram
em incumprimento na década de 30 após o colapso da bolsa em Wall Street. O
dinheiro tinha-lhe sido emprestado pelos EUA, pela
França e pelo Reino Unido.

Outros 16 mil milhões de marcos diziam respeito a empréstimos dos EUA no
pós--guerra, no âmbito do Acordo de Londres sobre as Dívidas Alemãs (LDA),
de 1953. O total a pagar foi reduzido 50%, para cerca de 15 mil
milhões de marcos, por um período de 30 anos, o que não teve quase impacto
na crescente economia alemã.

O resgate alemão foi feito por um conjunto de países que incluíam a Grécia,
a Bélgica, o Canadá, Ceilão, a Dinamarca, França, o Irão, a Irlanda, a
Itália, o Liechtenstein, o Luxemburgo, a Noruega, o Paquistão, a Espanha, a
Suécia, a Suíça, a África do Sul, o Reino Unido, a Irlanda do Norte, os EUA
e a Jugoslávia. As dívidas alemãs eram do período anterior e posterior à
Segunda Guerra Mundial. Algumas decorriam do esforço de reparações de guerra
e outras de empréstimos gigantescos norte-americanos ao governo e às
empresas.

Durante 20 anos, como recorda esse acordo, Berlim não honrou qualquer
pagamento da dívida.

Por incrível que pareça, apenas oito anos depois de a Grécia ter sido
invadida e brutalmente ocupada pelas tropas nazis, Atenas aceitou participar
no esforço internacional para tirar a Alemanha da terrível bancarrota em que
se encontrava.

Ora os custos monetários da ocupação alemã da Grécia foram estimados em 162
mil milhões de euros sem juros.

Após a guerra, a Alemanha ficou de compensar a Grécia por perdas de navios
bombardeados ou capturados, durante o período de neutralidade, pelos danos
causados à economia grega, e pagar compensações às vítimas do exército
alemão de ocupação. As vítimas gregas foram mais de um milhão de pessoas (38
960 executadas, 12 mil abatidas, 70 mil mortas no campo de batalha, 105 mil
em campos de concentração na Alemanha, e 600 mil que pereceram de fome).
Além disso, as hordas nazis roubaram tesouros arqueológicos gregos de valor
incalculável.

Qual foi a reacção da direita parlamentar alemã aos actuais problemas
financeiros da Grécia? Segundo esta, a Grécia devia considerar vender
terras, edifícios históricos e objectos de arte para reduzir a sua dívida.

Além de tomar as medidas de austeridade impostas, como cortes no sector
público e congelamento de pensões, os gregos deviam vender algumas ilhas,
defenderam dois destacados elementos da CDU, Josef
Schlarmann e Frank Schaeffler, do partido da chanceler Merkel. Os dois
responsáveis chegaram a alvitrar que o Partenon, e algumas ilhas gregas no
Egeu, fossem vendidas para evitar a bancarrota.

"Os que estão insolventes devem vender o que possuem para pagar aos seus
credores", disseram ao jornal "Bild".

Depois disso, surgiu no seio do executivo a ideia peregrina de pôr um
comissário europeu a fiscalizar permanentemente as contas gregas em Atenas.

O historiador Albrecht Ritschl, da London School of Economics, recordou
recentemente à "Spiegel" que a Alemanha foi o pior país devedor do século
xx. O economista destaca que a insolvência germânica dos anos 30 faz a
dívida grega de hoje parecer insignificante.

"No século xx, a Alemanha foi responsável pela maior bancarrota de que há
memória", afirmou. "Foi apenas graças aos Estados Unidos, que injectaram
quantias enormes de dinheiro após a Primeira e a Segunda
Guerra Mundial, que a Alemanha se tornou financeiramente estável e hoje
detém o estatuto de locomotiva da Europa. Esse facto, lamentavelmente,
parece esquecido", sublinha Ritsch. O historiador sublinha que a Alemanha
desencadeou duas guerras mundiais, a segunda de aniquilação e extermínio, e
depois os seus inimigos perdoaram-lhe totalmente o pagamento das reparações
ou adiaram-nas. A Grécia não esquece que a Alemanha deve a sua prosperidade
económica a outros países. Por isso, alguns parlamentares gregos sugerem que
seja feita a contabilidade das dívidas alemãs à Grécia para que destas se
desconte o que a Grécia deve actualmente.



Sérgio Soares

jornalista

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